A escravidão de negros africanos e seus descendentes nas Américas, que se estendeu de meados do século XVI aos fins do XIX, foi um dos episódios mais opressivos da História da Humanidade. Porém, em oposição a toda essa crueldade que despovoou a África e vitimou milhões de seus melhores filhos, surgiu um modelo de resistência admirável: os quilombos.
Na Angola
pré-colonial, o mito de arraiais militares e núcleos habitacionais e comerciais
abertos a africanos de quaisquer etnias, já desempenhavam um papel político e
econômico fundamental. Transplantada para as Américas, a instituição (chamada
‘cumbe’ ou ‘palanque’ na América Hispânica) firmou sua importância na resistência
à escravidão.
De todos os
quilombos americanos, sem dúvida o mais importante foi a Confederação de
Palmares. Ela nasceu por volta de 1590, quando escravos de um engenho
pernambucano, depois de uma rebelião sangrenta, refugiaram-se na serra da
Barriga, atual Alagoas, e lá criaram as bases de um incômodo “Estado livre” em
pleno Brasil colonial.
Até a destruição de
seu reduto principal, em 1694 (cem anos depois), Palmares foi, de fato, um
verdadeiro Estado autônomo encravado na capitania de Pernambuco. No auge de sua
produtiva existência suas relações com as comunidades vizinhas chegaram a ter
momentos de uma troca econômica rica e organizada. E essa autonomia, abalando a
autoridade colonial, motivou uma repressão jamais vista.
De 1596 a 1716, ano
da destruição de seu último reduto, os palmarinos suportaram investidas de 66
expedições militares e atacaram 31 vezes. Em toda essa luta avulta a figura de
um importante líder: Zumbi. Grande
estrategista, Zumbi dos Palmares, morto
à traição em 20 de novembro de 1695, aos 40 anos de idade, é hoje visto como o
maior líder da resistência antiescravista nas Américas.
A república livre
de Palmares
Já na virada para o
século XVII, o número de escravos e libertos reunidos em Palmares somava
centenas de quilombolas. Por necessidade de sobrevivência eles muitas vezes
desciam para saltear os engenhos vizinhos. Da desorganização inicial seguiu-se
uma estruturação do reduto. Tanto que, por volta de 1630, Palmares já teria
cerca de três mil aquilombados, desenvolvendo uma agricultura avançada para os
padrões locais e da época, plantando cana de açúcar, milho, feijão, mandioca,
batata e legumes; fabricando artefatos de palha, manteiga e vinho; criando
galinhas e porcos; e desenvolvendo uma organizada atividade metalúrgica, necessária
à sua subsistência e à sua defesa.
A chegada dos
holandeses a Pernambuco, em 1630, e as guerras que essa presença motivou,
facilitaram a fuga de mais gente para Palmares. Em consequência, o quilombo
(agora já uma confederação de aldeias) foi se fortalecendo e se transformando
em uma real e perigosa ameaça ao poder colonial. Foi então que a repressão
tomou corpo.
Durante sua longa
existência, Palmares teve vários líderes. Mas a História até agora conhecida
reservou para Zumbi o papel de protagonistas principais dessa verdadeira
epopeia. A partir de 1680 a repressão a Palmares vai se tornando cada vez mais
cruel, com a participação de milhares de soldados, de milícias patrocinadas
pelos senhores de terras e até mesmo de combatentes mercenários. Quinze anos
depois, o líder Zumbi - após dezessete anos de combate em que se notabilizou
como um dos maiores generais da história da humanidade, atraiçoado por um de
seus comandados, morre, durante a expedição repressora de Domingos Jorge Velho.
A cabeça de Zumbi
foi decepada, salgada e entregue ao governador que mandou pregá-la em um poste.
Procurava-se com isso intimidar os negros escravos e mostrar que novamente a
ordem escravista estava estabelecida. Enganaram-se os exploradores, o exemplo
de combatividade de Zumbi e de todos aqueles que com ele lutaram inspiraram
inúmeras revoltas de escravos e a formação de novos quilombos.
Para sempre Zumbi
dos Palmares!
A experiência de
Palmares foi a maior e mais longa contestação à ordem escravista em todo o
mundo e em todos os tempos. Por extensão - e mesmo por ter sido Palmares um
reduto que abrigava negros, índios e brancos pobres - a saga de Zumbi é um rico
episódio de luta contra o racismo. Assim, o dia que marca o seu “ingresso na
História”, 20 de Novembro, deve ser considerado como uma data do povo, celebrada
como um dia de luta e de reflexão.
Um dia para
confirmar a justeza da resistência popular e defender a consigna “a
rebelião se justifica”.
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